sexta-feira, 5 de março de 2010

Diário Diana Trindade - 26/12/09

Eu tinha o pressentimento de que aquela noite de natal seria estranha. 1:11 da manhã do dia 24 e eu acordava assustada pela terceira vez. Péssima intuição. Sempre achei que a mulher só passasse a ter essa intuição feminina após a maternidade. Abortei a terceira possibilidade desse acontecimento no mês passado, mas mesmo assim, minha intuição feminina funcionava como nunca. E como não tenho filhos, isso só poderia estar relacionado a minha mãe... Enquanto observava da janela a Rua das Laranjeiras sobre outra perspectiva, assistia em pensamentos minha própria morte, ali mesmo no meio da rua. Na companhia do meu Hollywood azul, um copo d água no parapeito, forjando a minha própria morte e aquele homem lindo deitado na cama lendo Dom Casmurro. Nunca me senti tão em casa na Zona Sul!
Voltando pra Tijuca num 426 frio e quente, vejo a vida, ou melhor, a morte passar diante de meus pensamentos. Adoro brincar com isso. Sou do tipo de pessoa que entra no avião torcendo pra ter turbulência... Existe esse tipo de pessoa? Chego em casa, e pra variar, minha mãe estava discutindo no corredor com o sindico. Dessa vez era o interfone. Puta falta de sorte morar no mesmo andar do sindico... O cara assumiu o controle do prédio assim que completei 15 anos. Sempre aproveitei o fato da minha mãe nunca estar em casa e minha ser meio surda e ter um péssimo olfato, para trazer meus namoradinhos pra casa. Sexo e maconha. Mas sindico velho e maior fofoqueiro do prédio são expressões sinonimas. E o cara já está a exatos 10 aos no poder... Já ouvia minha mãe aos berros lá do primeiro andar. Quando saí do elevador, os nervos se esfriaram um pouco e entramos pela sala. Ao entrar disse a ela "É por isso que tenho vergonha de ser sua filha". Não foi a primeira vez e não seria a última naquele natal... Morte e nascimento juntos. Os pulsos ensanguentados no dia que Cristo nasceu. Tudo a ver! Como eu gosto da bíblia... Puta coletânea! Aconselho o livro do Apocalipse. É sensacional! Puta criatividade pra época e muito bem escrito. Sou doida pra ler o Evangelho segundo São Judas. Deve ser demais! Os quatro evangelhos que não foram censurados são meio caretas. Nada de sexo. No máximo umas festas com multiplicação de vinho e mulheres sendo apedrejadas. Imagina morrer apedrejada... Que loucura!
Chegamos a casa do meu pai 20:02. Adoro quando o relógio marca uma hora doida dessas. Mas aquele dia já estava cheio de coincidências, e a noite ainda estava por vir. Um engradado de Original e vinho à beça... Jamais daria certo. Deve ser muito estranho pra minha mãe passar o natal na casa do meu pai, pelo segundo ano consecutivo, pelo simples fato de não ter onde passar. Meu pai sempre foi um fudido. Mas sua vida começou a melhorar depois que deixou de morar com a gente, e obviamente, depois de se separar de minha mãe. Não sei como conseguiu viver com, ela por onze anos. Hoje tem um bom emprego. Há uns oito anos alugou uma cobertura em Vila Isabel e é casado com Outra Mulher há uns dez anos. Outra Mulher quinze anos mais jovem que meu pai. O que de acabar com a cabeça de minha mãe que é oito anos mais velha que meu pai.
Casa cheia, mesa quase vazia, todos os presentes trocados, todo mundo feliz mas um clima muito estranho. Eu já podia sentir o cheiro de sangue, quando lá de cima, ouço um início de discussão. Não faço ideia de como tudo começou. Nem quero saber. Mas obviamente, minha mãe era o foco, e provavelmente começou tudo. Estou acostumada a ver minha mãe acabando com todo tipo de festa, desde de criança. Mas aquela vez parecia ser a última. Principalmente depois de todos se calarem ao me ouvir falando a frase tantas vezes repetidas em casa, mas nunca exposta a público "É por isso que tenho vergonha de ser sua filha". Pela primeira vez senti um peso muito grande ao repetir essas palavras. Aos poucos as pessoas foram indo embora. Nós fomos uma das últimas.
No dia seguinte, mas ainda natal, acordei com uma ressaca horrível. Enchi a cara de coca zero e liguei pro meu novo gatinho de Laranjeiras. Fui pra casa dele, sem ao menos me preocupar se minha mãe estava em casa. Na verdade não queria pensar nela. Depois de uma tarde/noite sexualmente ativa, aquela intuição intuição ruim que havia se instalado em mim na noite anterior voltou. E por mais que a possibilidade de chupar aquele pau grosso ao acordar fosse tentadora, preferi ir pra casa... Cheiro de sangue. Às vezes me sinto uma vampira. Mas não gostaria de ser imortal. Quero passar por essa transição. Nesse caso estou mais pra pomba gira. Cheguei exausta e dormi, nem lembrava mais se minha mãe existia.
Hoje acordei tranquila, mas achei a casa um pouco escura demais. Fui pra cozinha e meu copo de coca zero ainda estava sujo na pia com a garrafa de dois litros ao lado. Me preocupei. Minha mãe gostava de lavar minha louça e limpar minha bagunça, só pra jogar na minha cara depois. Abri a porta do quarto dela e vomitei. Passei a vida inteira imaginando a morte. Mas o ato da morte, nunca a pessoa morta. Deitada na cama, branca como nunca e com uma tesoura enfiada no punho esquerdo, minha mãe estava bela. Que pena! Gostaria de ter visto.

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